quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Qualquer semelhança...

Descrição da ação no AM (evento com morte de PF)


É madrugada no Rio Solimões. A escuridão e o silêncio são rompidos só pelo barulho de dois barcos com policiais federais que cortam as águas do rio na busca por traficantes de cocaína. Os barcos usados pelos policiais não são apropriados para o enfrentamento. Um é uma lancha apreendida com traficantes; outro é uma lancha da própria PF que, como tantas, é um arremedo de embarcação. Mas não importa, na cabeça daqueles policiais só há um pensamento: interceptar os traficantes e evitar que a cocaína chegue ao seu destino final.
O desfecho está próximo.

Mas antes do final é preciso falar sobre dois guerreiros que estão embarcados e atentos aos movimentos no Rio. Os agentes federais Leonardo Matzunaga Yamaguti e Mauro Lobo são de gerações diferentes. O primeiro na PF há 4 meses está realizando o sonho de se transformar em policial federal. O outro, na PF há mais de uma década, é exemplo e uma referência para todos que o conhecem. Em comum entre esses dois homens a vocação para estar na primeira linha, longe dos gabinetes cheios de papéis inúteis.

Mas a história segue e esses dois homens em breve se tornarão vítimas da Polícia que tanto se orgulham de levar no peito.
O barulho do motor de um barco se aproxima rapidamente fazendo com os policiais redobrem a atenção. Podem ser os traficantes. A informação é que este possa ser um grande carregamento de cocaína e ele não pode seguir.
Os policiais visualizam o barco que desce o Rio carregado. Há homens dentro, mas é noite. E noite no Amazonas é escura. O barco suspeito vai ser abordado, mas antes disso um barulho no motor é o sinal que os suspeitos estão mudando o curso para fugir. Rapidamente a lancha ruma para a margem para escapar dos homens de preto.

Os federais não desistem. Rumam na direção dos suspeitos em seus barcos improvisados. Sim, são os traficantes. Um grupo de criminosos ganha a margem e avança rumo a um barranco. Os policiais miram a luz de um holofote, também improvisado para os criminosos. A abordagem está próxima do fim.

Os bandidos que chegaram às margens estão com fuzis e guiados pelos holofotes do barco dos policiais atiram sem pena A adrenalina no barco é intensa. Os federais respondem aos disparos. Os colegas da outra lancha também, mas os traficantes estão em vantagem. Com armas mais potentes que a dos federais, atiram de cima do barranco para baixo. O guerreiro Matzunaga é atingido e cai dentro do barco. Lobo vê o colega e continua a atirar contra os bandidos. Numa fração de segundo um tiro atinge seu peito e ele cai sangrando. O agente Charles Nascimento, que também está no barco, sente um impacto na cabeça. É um tiro que pegou de raspão. Outro disparo do fuzil dos traficantes atinge sua perna e ele cai ao lado dos irmãos que já estão mortos no barco.

Os federais continuam atirando e os traficantes covardes fogem.

Amanhece e a informação sobre a morte dos policiais começa a chegar às delegacias e Superintendências. Em Manaus os policiais, ainda chocados, começam a montar a logística para o transporte dos corpos e do colega ferido e também se organizar para sair na busca dos criminosos.

Aos poucos um misto de tristeza e revolta alcança os policiais. O risco é inerente à atividade policial, mas na Amazônia e em outros estados do Brasil esse risco é potencializado por uma polícia de faz de conta, incapaz de oferecer às mínimas condições de trabalho para os federais.

São lanchas inapropriadas para o combate, armamento insuficiente, falta de gasolina para embarcações, coletes vencidos e figuras, cujo único trabalho é fazer inquéritos, querendo comandar ações operacionais.

Prova disso é a declaração do Superintendente Regional do Amazonas, delegado Sérgio Fontes, que chegou às lágrimas falando dos colegas mortos Ele não explicou porque os policiais não têm o equipamento adequado para enfrentar o crime. Só para constar: O delegado tem um dos maiores índices de rejeição no plebiscito feito pela Fenapef.

Em Brasília não foi diferente na página do DPF nenhuma nota falando do assassinato dos colegas. Da boca do DG nenhum palavra que indicasse que haverá mudanças na forma como a PF vem conduzindo sua gestão, priorizando a burocracia do IPL e deixando os policiais de verdade a mercê de sua sorte. O DG tem mais de 80% de rejeição na categoria.






NARRATIVA DOS FATOS - LOBO e MATZUNAGA
>
> Esclarecimento dos Fatos:
>
> Na sexta-feira à noite dia 12/11, toda a galera da DRE estava reunida em
> um churrasco na ANSEF/AM.
> No churrasco, os colegas já estavam falando dos meios que não existiam
> para cumprir a missão que estava na iminência de acontecer. O APF.Lobo
> disse que tinha que conseguir dinheiro para o “rancho”, além do
> cozinheiro, fora as embarcações que estavam em péssimas condições.
> O APF.Leonardo tinha acabado de chegar de Tabatinga/AM para ficar em
> missão em Manaus devido ao fato da DRE ter uma defasagem muito grande de
> policiais. O NO/DRE (Núcleo de Operações da Delegacia de Repressão a
> Entorpecentes) da SR/AM conta somente com 06 policiais e sempre estamos
> abarrotados de serviço, e principalmente, sem condições de trabalho. Cabe
> ressaltar, que o APF.Lobo foi retirado da DRE pelo atual Delegado, por
> “colocar tudo no papel”, principalmente as péssimas condições em que a
> Delegacia se encontra, falta de efetivo, materiais, viaturas, e
> principalmente em virtude do Chefe da DRE não querer nada com o serviço.
> Conseqüentemente, colocaram o Lobo no corredor; depois, para arrumar a
> sala de armamento, e ele disse: “a administração local não sabe o que está
> fazendo, porque toda irregularidade vou colocar no papel”.
> Depois disso, mandaram ele em Tabatinga, quando retornou dia 07/11 foi
> lotado no NEPOM, que na verdade; na maior bacia hidrográfica do mundo; não
> existe NEPOM. A base do NEPOM está inativa, somente é utilizada a base do
> CIAPA para guardar as lanchas que estão quebradas. Havia somente duas
> lanchas funcionando e agora depois do ocorrido, uma apenas. Todavia,
> existe uma sala com computador e Internet com banda larga e ar
> condicionado para o chefe do NEPOM, que nem é piloto de embarcações e não
> tem um ano e meio de polícia.
> No sábado dia 13/11, de manhã cedo, o agente mais antigo da DRE; que
> chamamos de “Chefe do NO da DRE”, porque não existe atualmente no
> organograma do DPF o chefe do NO da DRE;, chegou para auxiliar os colegas.
> Eles iriam subir o Rio Solimões para interceptar o carregamento de drogas
> que estava descendo. O “chefe do NO da DRE” ligou para o Delegado da DRE
> que nem atendeu o telefone, isto é, estava desligado (ressaltando que leva
> a viatura para casa todos os dias) para tentar conseguir dinheiro para
> comprar o “rancho” do pessoal, pois dentro do Rio Solimões não existe
> restaurante ou algo semelhante. Então o “Chefe do NO da DRE” ligou para os
> colegas que estão com suprimento de fundos, logo um Agente lotado em outra
> delegacia conseguiu a verba para o “rancho”.
> O Agente “Chefe do NO da DRE”, ligou para o DREX (Delegado Regional
> Executivo) para conseguir o barco. Foi utilizado um barco que foi
> apreendido semana passada com traficantes. Como não temos lancha em
> condições de trabalho, o DREX autorizou sair com o barco que nem tinha
> ainda autorização da Justiça para uso.
> Sem lancha, sem dinheiro, sem rancho, sem comunicação com a SR (que seria
> o ideal ter o global star) o Agente “Chefe do NO da DRE” conseguiu reunir
> 07 policiais para a Missão, e dois barcos. Sendo 03 do NO da DRE, 01 de
> Tabatinga em missão em Manaus (Leonardo) e mais 03 do NEPOM.
> Quando fomos levar o pessoal no flutuante, o APF. Lobo levou muita munição
> de calibre 5,56, pois já sabiam que poderiam ter confronto; foi levado
> também o “Sofie”.
>
> A Abordagem
> Na madrugada do dia 17/11, os Policiais Federais fazendo campana próximo
> ao município de Anamã, em uma madrugada bem escura, com dois barcos.
> Em um barco estavam os APF´s Charles, Décio, Leonardo e Lobo e no outro
> barco os APF´s Roberval, Andrade e Ivon. Em certo momento, o APF.Charles
> observou dois barcos descendo o Rio, logo a equipe se dividiu.
> Conversando com o APF. Charles, ele disse que não conseguiu ver os
> peruanos na embarcação pelo “Sofie”, porque estavam deitados, conseguiu
> ver o piloto e o que parecia ser a droga embaixo de uma lona.
> Quando estavam chegando para a abordagem os APF. Charles e Leonardo
> disseram: “Polícia Federal”.
> Os vagabundos então focaram com a luz e já começaram atirar com fuzis
> calibre 5.56.
> O Décio disse que foi muito tiro, muito mesmo, só escutava o barulho da
> embarcação sendo furada pelos tiros; os vagabundos estavam em um “canoão”
> de madeira, sendo mais fácil o abrigo.
> O APF.Leonardo foi o primeiro a cair, com um tiro na cabeça.
> O APF.Lobo que estava pilotando a embarcação, diante do fato, começou a
> atirar com sua pistola (diga-se de passagem que o Lobo era campeão de tiro
> prático no Amazonas), em seguida sua pistola parou aberta. Então pegou o
> fuzil do Leonardo que já estava morto. No momento que ele pegou o fuzil do
> Leonardo já trocou o carregador e continuou atirando.
> O APF. .Charles já tinha sido atingido e foi para a polpa da embarcação.
> O APF.Décio estava com o Fuzil XM-15, segundo ele, em dado momento o Fuzil
> XM-15 parou de funcionar, e ele pegou a pistola e continuou atirando.
> Soube-se depois que o Fuzil XM-15 salvou a vida do APF.Décio, pois um dos
> projéteis dos traficantes acertou o fuzil, por isso ele parou de
> funcionar, ele só percebeu isso quando chegou a Manaus.
> De repente o APF.Décio percebeu que estava atirando sozinho, então parou
> de atirar e observou os colegas mortos e o APF.Charles ferido.
> Os outros três policiais federais que estavam abordando a outra
> embarcação, chegaram para auxiliar o pessoal, mas o confronto já tinha
> terminado, os APF’s ainda atiraram para saturar toda área e a embarcação,
> mas os vagabundos tinham pulado da embarcação.
> Os colegas da outra embarcação encostaram e rapidamente colocaram os
> colegas mortos e feridos para serem levados ao município de Codajás. Do
> local do confronto até Codajás são aproximadamente duas horas, e foi uma
> grande dificuldade, até porque o APF. Charles estava bastante ferido e
> dizendo palavras para serem repassadas à sua família, acreditando que
> também iria morrer. Realmente os colegas passaram uma situação de terror.
>
> Fatos a posteriori
> Vários colegas foram para o local, não existe um Plano de Gerenciamento de
> Crises. Ficou e está tudo no "Barata Voa", até o momento o Superintendente
> não pediu auxílio ao Exército. Em Manaus tem o Centro de Instrução de
> Guerra na Selva (CIGS) do Exército Brasileiro, e os militares conhecem
> muito bem a Selva. Na embarcação dos traficantes tinham 04 peruanos das
> FARCs e dois brasileiros, os peruanos estavam fortemente armados.
> Na nossa missão não existia nem dinheiro para o “rancho”; depois da merda;
> foi conseguido dinheiro pelo Diretor Geral para tudo, foi repassado nas
> comunidades locais recompensas para possíveis informações sobre os
> assassinos. Então, através de informantes conseguiu-se achar o brasileiro
> piloto do barco dos vagabundos, o qual estava na mata, próximo a uma
> comunidade. Ele disse que no momento estava com seu irmão se revezando na
> pilotagem do barco e traziam quatro peruanos armados e com cerca de 300 Kg
> de droga, e que já havia feito isso outras vezes.
> Ele disse que não sabe onde está o seu irmão que também é brasileiro e nem
> os quatro peruanos, pois na hora que iniciou o tiroteio, pulou na água.
> Disse onde ficava uma casa às margens do Rio onde os traficantes sempre
> tinham abrigo, fomos até lá e foram presos dois indivíduos que sempre
> davam abrigo aos traficantes.
> Observando o problema atual, o Superintendente está pedindo ajuda para à
> Brasília, COT, etc. Pelo conhecimento de todos, sabemos que se jogarem
> policiais que não são da região, vai acontecer um outro desastre. Além do
> que, muitos policiais novos da última turma, não tem curso de fuzil, pois
> foi retirado o treinamento com fuzil da grade horária da ANP.
> Na minha opinião, deve-se pedir auxílio ao Exército, pois eles possuem
> Batalhões, Pelotões de Guerra na
> Selva, fora o Pelotão das Forças Especiais em Manaus. Os gestores devem
> sair do salto alto e pedir auxílio às Forças Armadas, além é claro de
> serem responsabilizados pela tragédia

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